Movie review score
5

Aparião concebido em meados dos anos 90 e sepultado no início da década seguinte, Aparição foi um título de RPG que não rendeu muitos lucros à empresa na medida em que não proporcionava um tipo de diversão ao qual seus jovens consumidores estivessem acostumados. Aparição se distinguiu de seus jogos irmãos porque, em certo sentido, a possibilidade do sucesso estava vedada desde o princípio para o personagem do jogador.

Em Aparição o jogador constrói um fantasma como personagem, um ser humano que morreu  mas que, em certo sentido, sobreviveu à morte. Contudo, essa sobrevivência representa uma tragédia: em Aparição a consciência só sobrevive porque está completamente agrilhoada à existência em função de questões não resolvidas no mundo dos vivos.Assim como em Ghost ou What Dreams May Come, o que sustenta a existência de uma aparição é aquilo que ela deixou por fazer. Em suma, uma aparição é uma criatura essencialmente atormentada. Pode-se mesmo dizer que uma aparição não é senão a personificação de seus rancores, mágoas e ressentimentos. É muito surpreendente que esse jogo não tenha sido um sucesso de vendas?

O mundo onde as aparições vivem é outra delicada construção poética. Composto de vários níveis, o Mundo Inferior é um grande pesadelo. Em um nível superficial, as aparições que possuem boas razões para assombrar os vivos transitam nas Regiões Sombrias, uma espécie de “outro lado do espelho” de nosso mundo, onde as coisas estão ainda mais decadentes e degeneradas do que em nosso mundo. Um mundo de céu sempre cinza ou negro, onde o vento não cessa de uivar nem quando chove, onde o sol não nasce e onde todas as coisas materiais aparecem, aos olhos das aparições, como distorções decadentes daquilo que são em nosso mundo. Um mundo onde as aparições podem ver e ouvir tudo aquilo que acontece no mundo real, embora estejam completamente impedidas de interagir com ele sem o custo de esforços hercúleos.
As Praias Distantes são ilhas de segurança na Tempestade. Foram literalmente construídas pela projeção das crenças e expectativas humanas pelo pós-morte. Praias Distantes podem ser perfeitamente semelhantes ao céu ou ao inferno cristão, por exemplo. A busca por uma Praia Distante pode, em última instância, constituir o sentido da existência de uma aparição e pelo menos um terço das aparições que existem engajam suas existências nessa busca. Os outros dois terços constituem as classes dos opressores e dos oprimidos pelo sistema: sim, os mortos também se organizaram rapidamente em torno de um sistema que lhes assegure uma existência suportável, embora as leis do mundo dos mortos sejam um reflexo distorcido da política humana. A escravidão nunca acabou e nunca acabará no mundo dos mortos, e as paredes de Estígia – a maior Necrópole, situada além da Tempestade – são forjadas do mesmo plasma incorpóreo que constitui o “corpo” de um fantasma. A dor e o medo ainda são absolutamente reais para aqueles que depois da morte não Transcenderam nem foram tragados pelo próprio Limbo, e ser transformado em um “tijolo consciente” do castelo de uma aparição antiga é uma das piores punições que uma aparição pode conhecer, talvez só superada em crueldade pela possibilidade de ser “derretida” e bebida por seu algoz, entre outras formas de crueldade.
Em se tratando de um jogo de RPG, é natural que um personagem de Aparição possua algum tipo de “poder sobrenatural” que torne uma sessão de RPG distinta de uma exótica sessão de psicanálise ou terapia de grupo. No entanto, o tipo de habilidade que uma aparição pode aprender é um dos elementos que melhor revela a natureza do jogo: incorporar (“possuir”) em objetos ou pessoas, influenciar as emoções ou os sonhos dos vivos, mover objetos sólido ou realizar fenômenos “poltergeist” não alguns dos exemplos de que os poderes das aparições são, em certa medida, maneiras de elas se relacionarem e interagirem com o mundo dos vivos, razão última de suas existências. Exceto por Argos (uma habilidade necessária para a compreensão dos padrões e conseqüentemente para a sobrevivência na Tempestade) ou por Castigo (uma disciplina totalmente voltada ao enfrentamento da Sombra – conceito que será explicado à seguir), a maioria dos poderes dos fantasmas estão à serviço de sua ânsia de interagir com o mundo no qual estão suas Paixões e Grilhões.
A Sombra é um conceito interessantíssimo em Aparição, e presume certa metafísica para sua compreensão. Assume-se que quando um espírito veste sua “roupa de carne”, isto é, seu corpo, a unidade de uma pessoa seja constituída em igual medida por um “princípio de vida” e por um “princípio de morte”, um Eros e um Tânatos. Ora, quando a vida se esvai e a consciência se vê abandonada de um corpo que naturalmente deseja permanecer na existência, a alma estará abandonada e sozinha no enfrentamento desse “desejo de morte”. Uma vez já estando morta, a alma tem de conviver com impulsos e desejos de completo desaparecimento, de esquecimento. A Sombra é o desejo pelo Limbo, um desejo de Nada que sem a opisição de um “Eros” irracional que sirva de âncora para o indivíduo, será sem dúvida o pior inimigo de uma aparição. Seja compreendida como fundamento dos desejos mais perversos, seja compreendida como um Outro que vive a atormentar um fantasma esquizofrênico em sua mente, a Sombra assumirá a forma que for mais conveniente para facilitar a jornada de um fantasma na direção do Limbo.
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